Marjorie
Em primeiro lugar, queria agradecer tua participação. Esse trabalho que você faz, com pandemia ou não, é muito importante, mas certamente durante a pandemia é mais ainda, pois o isolamento, infelizmente, piora situações de violência familiar preexistentes e faz surgirem outras.
Já passei por esse tipo de violência e, depois de conseguir o que muitas não conseguem, que é uma rota de fuga, durante muitos anos devido à culpa - culpa de vítima - eu tive muita vergonha de falar sobre isso.
Naquele tempo ainda não haviam secretarias como essa em que você trabalha, não havia Lei Maria da Penha, e a única vez que procurei uma delegacia da mulher fui tratada como caso sem importância, já que a pior violência que sofria era psicológica. Felizmente isso é passado para mim.
A consciência de que há racismo no Brasil é muito recente, totalmente negada até há menos de 30 anos. O machismo, que não é "privilégio" dos homens, ainda está fortemente relacionado à criação da identidade social, tem seu sentido relacionado a uma ideia de força, e a submissão da mulher é bem vista, como uma forma de feminilidade. Isso acontece de forma subliminar e é tratado como se fosse charme, algo de menor importância, mas é exatamente o que abre espaço a essa violência, em que as vítimas - mulheres e crianças - se sentem muito, mas muito sozinhas.
Não tenho dúvidas sobre a importância em capacitar as professoras que estão formando a geração futura e as auxiliares de escolas para trabalhar esse tema, pois as crianças devem aprender que podem mudar sua história e, assim, mudar também o futuro da sociedade, favorecendo a diminuição e até extinção desse problema que é de todos. Achei fantástico esse trabalho de vocês, parabéns!
Outra coisa que me chamou a atenção foi a promoção que fizeram propiciando interação entre as pacientes, não só em relação ao problema em si, no que essa interação ajuda pois permite que a pessoa se sinta menos sozinha, mas também criando espaços de troca social, em que os saberes de cada uma ganham valor e mostram que, digamos assim, existe vida além da violência doméstica.
Acordar todos os dias sabendo que tudo vai dar errado, não importa o quanto você tente fazer tudo certo, sabendo que seu bem estar de começar um novo dia vai terminar tão logo o opressor também acorde, e assim por diante, não sei se alguém que nunca passou por isso consegue chegar perto de imaginar, mas é dilacerante, vai transformando a pessoa num fiapo de gente, alguém que vai sumindo dia após dia, é muito doloroso e eu entendo que a maioria das mulheres em situação de violência não consigam achar uma rota de fuga - parece muito fácil para quem está do lado de fora, mas de forma alguma é fácil, muito pelo contrário, e sem uma ajuda psicológica, acho que fica praticamente impossível.
Por isso preciso agradecer esse trabalho e o compartilhamento dele aqui conosco, espero que inspire outros profissionais em ações tão grandiosas, não importa onde estejam, não importa se vão atingir uma ou muitas, cada vida vale muito.
Parabéns!
Ana